A existência de testamento impede a realização de inventário extrajudicial?

Uma análise das consequências jurídicas da existência de testamento válido

No Brasil uma forma de planejamento sucessório comumente usado é o testamento.

O testamento, em síntese, é uma declaração de vontade emanada pelo titular de um determinado patrimônio, que é realizada em vida para que surta efeitos jurídicos após a sua morte.

Assim, se alguém deseja deixar um determinado patrimônio para alguém após a sua morte o testamento é o mecanismo correto para tanto, observadas as vedações legais, em especial a proteção conferida à legítima, prevista no artigo 1.857, §1°, do Código Civil.

Diante desse contexto, ocorrendo o evento morte, e havendo testamento válido, é possível que se faça o inventário extrajudicial?

Sim, ainda que o artigo 610 do Código de Processo Civil proíba expressamente tal possibilidade, é possível que seja feito o inventário extrajudicial mesmo havendo testamento válido.

Nesse sentido vale mencionar o enunciado número 16 do Instituto Brasileiro do Direito de Família, confira-se:

Enunciado 16 - Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

Ademais, além do enunciado acima vale mencionar importante julgado do Superior Tribunal de Justiça, leia-se:

Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. [...] O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que "será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.
Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.

O julgado acima refere que a intenção do legislador com o regramento atinente ao inventário extrajudicial foi desafogar o poder judiciário. Assim em consonância com as demais regras sobre a possibilidade de inventário extrajudicial há de se concluir que sim, é possível que se faça o inventário extrajudicial ainda que haja testamento válido.

Fonte:

Instituto Brasileiro do Direito de Família. https://ibdfam.org.br/index.php/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam

Superior Tribunal de Justiça. REsp 1808767 (2019/0114609-4 de 03/12/2019) https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa...


 

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