É possível afastar o cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial de bens do direito à herança?

Uma análise da aplicação do instituto do testamento com cláusula de usufruto em favor dos descendentes

 

Sabe-se que no Brasil o cônjuge é herdeiro necessário, nos moldes do artigo 1.845 do Código Civil. Assim, falecendo uma pessoa casada o cônjuge sobrevivente é considerado herdeiro, - fazendo com que este receba herança em igualdade de condições com os descendentes do falecido.

Ademais, sabe-se que como regra o regime de casamento mais usado no Brasil é o regime da comunhão parcial de bens, logo, tal direito a herança recairá sobre os bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do artigo 1.829, inciso I do Código Civil.

Nesses termos indaga-se:

É possível afastar o cônjuge do direito a herança no regime de comunhão parcial de bens?

Sim, é possível em algumas situações afastar o cônjuge por meio do instituto do testamento com cláusula de usufruto, nos termos dos artigos 1.393 e 1.857 do Código Civil.

Entretanto, tal mecanismo perpassa por diversos atos, bem como somente tem cabimento em algumas hipóteses.

Exemplificativamente tal mecanismo funcionaria da seguinte forma:

"A" possui um imóvel, não é casado e possui dois filhos ("B" e "C"), e ambos os filhos possuem um filho cada ("D" e "E"). "A" testa para seus dois filhos o direito de usufruto sobre o referido imóvel, nos termos do artigo 1.393 e 1.921 do Código Civil, estabelecendo que tal usufruto persistiria por toda a vida de seus dois filhos;
Ocorrendo o óbito de "A", por força do testamento acima indicado os filhos dele aceitam o usufruto e ato contínuo renunciam a herança, nos moldes do artigo 1.808, §1° do Código Civil;
Por decorrência da renúncia dos filhos, os netos de "A" seriam os herdeiros do patrimônio, nos termos do artigo 1.811 do Código Civil.
Ao final, o patrimônio deixado por "A", - que seria considerado bem particular de seus filhos "B" e "C", não irá ser objeto de herança quando do falecimento destes, sendo certo que se os filhos forem casados pelo regime da comunhão parcial quando do falecimento destes, tal bem não será objeto de herança do cônjuge sobrevivente, visto que tal bem nunca integrou a propriedade dos filhos, uma vez que foi transmitido aos netos "D" e "E", por força da renúncia operada quando do falecimento de "A".

Por fim, cumpre esclarecer que tal hipótese tomou como base o regime da comunhão parcial de bens, bem como a anuência de todos os herdeiros no que diz respeito a renúncia a herança.

 

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